08 novembro 2008

Há lodo no cais

O movimento de cidadãos de Lisboa contra a ampliação do Terminal de contentores de Alcântara, de que sou um dos fundadores, anunciou no passado dia 27, em conferência de imprensa, que iria abrir uma subscrição pública contra o decreto-lei que autorizou a celebração de um contrato entre a Administração do Porto de Lisboa (APL) e a concessionária Liscont. O objectivo da petição (que atingiu o mínimo de 4000 assinaturas necessárias em 24 horas), foi entregar na Assembleia da República um pedido de ratificação parlamentar do decreto do Governo. O pedido está entregue e isso significa que os deputados vão ter de apreciar o diploma do Governo e poderão revogá-lo, se assim o ditar a sua consciência e a sua noção de interesse público. Sabedora disto, a APL tratou de, logo no dia seguinte, assinar a correr o dito contrato com a Liscont, mediante o qual esta ficou desde logo garantida com uma brutal indemnização no caso de o projecto não ir adiante. Tudo devidamente cozinhado entre dois conhecidos escritórios de advocacia de negócios, muito socialistas.

Há quem considere isto uma falta de respeito inadmissível pela Assembleia da República, por parte de um organismo público, que administra coisa pública e cuja tutela cabe ao Governo. Há quem considere também uma estranha noção do que é a vida democrática e a consideração devida pela opinião pública. Eu não considero nada disso. Considero um escândalo, puro e simples. Um gesto que diz tudo sobre a dimensão dos interesses que estão em jogo e a influência que alguns muito poderosos têm sobre os actos da governação pública. É o Estado cativo de interesses privados. Terceiro-mundo.

4 A propósito do negócio de Alcântara, o campeão nacional da asneira - o ministro das Obras Públicas, Mário Lino - resolveu meter-se ao barulho e declarar que um quilómetro e meio de extensão de contentores empilhados à beira-rio “terá um impacto visual mínimo”. Quem possa ter dúvidas, que vá lá ver e imagine o que ali está multiplicado por três. Entre outras coisas, constatará que, ao contrário do que jura a Liscont, não é verdade que “razões técnicas” impeçam amontoar cinco contentores em cima uns dos outros: anteontem, havia lá várias pilhas de seis. Talvez Mário Lino não consiga, sinceramente, distinguir a diferença entre uma paisagem de contentores com 15 metros de altura e a de um rio ou a do ‘Queen Mary II’ acostado à Gare Marítima. Mas a Cunha Vaz e Associados e a LPM - os arguidos habituais na ‘assessoria de imagem’ dos grandes negócios - bem podiam justificar o dinheiro que cobram à Liscont e à APL mandando o ministro ficar calado. É que, de cada vez que ele leva a arma à cara, seja para defender a OTA, o TGV ou o Terminal de Alcântara, o tiro sai pela coronha.»

Miguel Sousa Tavares, 08-11-2008, Expresso

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