11 novembro 2008

Lisboa, o Tejo, os contentores e Alcântara

"A história está tão cheia de cidades que mudaram de pele e sobreviveram, como de outras que não mudaram e não sobreviveram..."

Parte de um texto de Luís Serpa que pode ser lido no "Cidadania Lx"

09 novembro 2008

Coisas estranhas II

Protocolo entre a Refer e a APL está em fase final de negociação

O novo contrato de concessão, entre a Administração do Porto de Lisboa (APL) e a Liscont (empresa do Grupo Mota-Engil que explora o terminal de contentores de Alcântara ) compromete a Refer com a realização de um conjunto de obras, apesar de a empresa pública que gere as linhas ferroviárias não ter assinado esse contrato, nem formalizado ainda qualquer acordo nesse sentido com a APL.

Segundo o jornal «Sol», o contrato entre o Porto de Lisboa e a Liscont diz que estas obras são condição «indispensável à expansão e modernização do terminal». E determina prazos para a sua execução, prevendo mesmo que a Liscont seja indemnizada pela APL se esses prazos não forem cumpridos.

Protocolo em negociação

Só que o facto de a Refer não integrar as «partes contratantes» deste contrato, na prática não a obriga a esse compromisso. Por outro lado, o valor e as condições em que as obras vão ser feitas ainda não estão sequer determinadas com rigor.

in Agência financeira, 08-11-2008



Só a LISCONT, da Mota-Engil de Jorge Coelho, é que já está a ganhar. A LISCONT assina um contrato (à pressa) com a Administração do Porto de Lisboa em que esta se compromete com um conjunto de obras ferroviárias. Sucede que estas obras dependem da REFER com a qual ainda não exista qualquer acordo... Estranho... Entretanto, o contrato garante indeminização à LISCONT se houver atrasos... Ora, tendo em conta que a APL não cuidou de garantir que as obras que dependem da REFER se irão realizar em tempo adequado, no mínimo é irresponsável comprometer-se nesntes termos com a LISCONT. Para além de estranho...

Coisas estranhas I

O projecto da nova sede não estava muito avançado, mas estancou subitamente depois de, também subitamente, o Governo ter anunciado o projecto da Nova Alcântara. O desnivelamento da via-férrea para ligar a linha de Cascais à da Cintura era uma discussão antiga na Refer, mas não era de todo uma prioridade, pelo que a apresentação do Governo de há seis meses apanhou até de surpresa grande parte da super-estrutura da empresa. A operação mediática então realizada foi paga pela Liscount, pela Administração do Porto de Lisboa e pela Refer, mas o projecto do desnivelamento da via-férrea nem consta no site da empresa (onde estão todos os investimentos em curso e os que estão previstos), mas sim no do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.

in Público, 08-11-2008


O primeiro ministro anuncia com pompa e circunstância um grande projecto que afinal tem como grande beneficiário que é uma empresa privada presidida por um Jorge Coelho (ex-colega de Sócrates). Esse festa é paga pelo beneficiário. Entretanto esse investimento tem como premissa uma obra de alteração estrutural na rede ferroviária, no entanto, a empresa pública responsável pela exploração ferroviária (a REFER) nem tem esses projectos previstos e os que tinha são incompatíveis com este repentino anúncio. Tanta coisa estranha...

08 novembro 2008

Imagens





(foto retirada de ohhoi.blogspot.com/)

CONTENTORES EM ALCÂNTARA: SERÁ MESMO NECESSÁRIO?

Existe uma grande agitação à volta do terminal de contentores no cais de Alcântara, no porto de Lisboa. Em Abril foi o anúncio e agora a publicação do decreto-lei que autoriza a prorrogação do prazo de concessão ao actual locatário até 2042, com a justificação de que tal é necessário para amortizar o investimento na ampliação desse mesmo terminal, de modo a aumentar a sua capacidade actual para o triplo. Argumenta-se que essa ampliação é estratégica para o País, permitindo que o porto de Lisboa passe a assegurar uma fatia importante no mercado nacional e internacional de movimentação de contentores. Como contrapartida, o concessionário assegura a realização de um conjunto de obras, com destaque para, além da ampliação do próprio terminal, a construção de um túnel ferroviário de ligação da Linha de Cascais à Linha de Cintura, acabando com a actual ligação à superfície. Já tive ocasião de defender publicamente a pertinência desta obra (ver o número de Junho da revista Transportes em Revista), a qual poderá ser uma oportunidade para racionalizar todo o sistema de transportes públicos naquela zona de Lisboa, transformando a estação de Alcântara Terra num grande nó intermodal. Isto é, ligar a Linha de Cascais e a Linha de Cintura, mas também o Eixo Norte-Sul (no Alvito, através de tapetes rolantes), bem como ser o ponto de convergência das linhas Amarela e Vermelha do metro, esta a prolongar depois até ao Restelo. Considero, todavia, que a realização desta obra não deve ser usada como justificação para a ampliação do terminal de contentores.

Vejamos um pouco de história. O cais de Alcântara só muito recentemente (meados dos anos 80) passou a movimentar contentores. Lembramo-nos ainda do cais de Alcântara como uma gare marítima, estando ainda gravado na nossa memória o embarque das tropas para as antigas colónias, nos anos 60. Ainda nos anos 90 os planos do porto de Lisboa passavam por melhorar as condições daquele cais para o movimento de paquetes, tendo inclusivamente sido realizadas obras de reabilitação do contíguo cais da Rocha do Conde de Óbidos, das quais eu próprio fui o responsável pelo projecto das estruturas. Há três ou quatro anos dá-se, contudo, uma grande viragem; a ideia passou a ser pôr os paquetes em Santa Apolónia, enquanto Alcântara passava a ficar reservada para os contentores. É, pelo menos, estranho. Ocupando Alcântara uma posição muito mais nobre e central, porque é que os paquetes hão-de ir para Santa Apolónia e os contentores hão-de estar em Alcântara? Mas, se a esta troca é estranha, mais estranho é ouvir-se falar em aumentar a capacidade do terminal. Então, não haverá outros portos, como Setúbal ou Sines (cujo terminal está a ser ampliado), que podem movimentar esses contentores?

E será que no porto de Lisboa não haverá outros locais mais apropriados? Ouve-se dizer que não, que no futuro talvez, na Trafaria. Mas, na Trafaria, como? Seriam precisas obras muito complicadas, com impactes no rio Tejo difíceis de avaliar. Além disso, um terminal de contentores precisa de boas ligações ferroviárias e, na Trafaria, além de não existirem, a sua construção causaria impactes impressionantes (lá se ia a arriba fóssil).

Ora, existe um local no porto de Lisboa que tem condições privilegiadas para instalar um grande terminal de contentores. Trata-se do antigo cais da Siderurgia Nacional, no Seixal. Além de uma enorme área disponível (quase cem hectares), esta zona passou recentemente a dispor de uma excelente serventia ferroviária, com a construção do ramal que ligou as fábricas da Siderurgia Nacional e da Lusocider ao Eixo Norte-Sul, em Coina. Além disso, fica próximo da futura plataforma logística do Poceirão, onde poderá ser feito o transbordo dos contentores. Claro que será preciso dragar mais profundamente o canal fluvial do Barreiro, mas isso serão "trocos" em comparação com os benefícios duma tal localização.

Para quê arranjar soluções complicadas e conflituosas?

S. Pompeu dos Santos, 08-11-2008, Diário de Notícias

Há lodo no cais

O movimento de cidadãos de Lisboa contra a ampliação do Terminal de contentores de Alcântara, de que sou um dos fundadores, anunciou no passado dia 27, em conferência de imprensa, que iria abrir uma subscrição pública contra o decreto-lei que autorizou a celebração de um contrato entre a Administração do Porto de Lisboa (APL) e a concessionária Liscont. O objectivo da petição (que atingiu o mínimo de 4000 assinaturas necessárias em 24 horas), foi entregar na Assembleia da República um pedido de ratificação parlamentar do decreto do Governo. O pedido está entregue e isso significa que os deputados vão ter de apreciar o diploma do Governo e poderão revogá-lo, se assim o ditar a sua consciência e a sua noção de interesse público. Sabedora disto, a APL tratou de, logo no dia seguinte, assinar a correr o dito contrato com a Liscont, mediante o qual esta ficou desde logo garantida com uma brutal indemnização no caso de o projecto não ir adiante. Tudo devidamente cozinhado entre dois conhecidos escritórios de advocacia de negócios, muito socialistas.

Há quem considere isto uma falta de respeito inadmissível pela Assembleia da República, por parte de um organismo público, que administra coisa pública e cuja tutela cabe ao Governo. Há quem considere também uma estranha noção do que é a vida democrática e a consideração devida pela opinião pública. Eu não considero nada disso. Considero um escândalo, puro e simples. Um gesto que diz tudo sobre a dimensão dos interesses que estão em jogo e a influência que alguns muito poderosos têm sobre os actos da governação pública. É o Estado cativo de interesses privados. Terceiro-mundo.

4 A propósito do negócio de Alcântara, o campeão nacional da asneira - o ministro das Obras Públicas, Mário Lino - resolveu meter-se ao barulho e declarar que um quilómetro e meio de extensão de contentores empilhados à beira-rio “terá um impacto visual mínimo”. Quem possa ter dúvidas, que vá lá ver e imagine o que ali está multiplicado por três. Entre outras coisas, constatará que, ao contrário do que jura a Liscont, não é verdade que “razões técnicas” impeçam amontoar cinco contentores em cima uns dos outros: anteontem, havia lá várias pilhas de seis. Talvez Mário Lino não consiga, sinceramente, distinguir a diferença entre uma paisagem de contentores com 15 metros de altura e a de um rio ou a do ‘Queen Mary II’ acostado à Gare Marítima. Mas a Cunha Vaz e Associados e a LPM - os arguidos habituais na ‘assessoria de imagem’ dos grandes negócios - bem podiam justificar o dinheiro que cobram à Liscont e à APL mandando o ministro ficar calado. É que, de cada vez que ele leva a arma à cara, seja para defender a OTA, o TGV ou o Terminal de Alcântara, o tiro sai pela coronha.»

Miguel Sousa Tavares, 08-11-2008, Expresso

07 novembro 2008

Empresa de Tráfego e Estiva quer explicações da APL sobre terminal de Alcântara

O principal concorrente da Mota-Engil nas concessões portuárias quer explicações da Administração do Porto de Lisboa (APL) sobre a ampliação do terminal de Alcântara e acerca do prolongamento da concessão à Liscont sem concurso público.

Presidente da Empresa de Tráfego e Estiva considera que perante alterações profundas no terminal de Alcântara se exigia um concurso públicoAntónio Figueiredo refere que a Empresa de Tráfego e Estiva tem demonstrado interesse no terminal de Alcântara

O presidente da Empresa de Tráfego e Estiva (ETE) diz que pediu toda a documentação sobre o processo de alargamento e concessão do terminal de Alcântara há 15 dias e que até ao momento a APL ainda não lhe respondeu.

António Figueiredo afirma que não percebe que tenha sido simplesmente prolongada a concessão à Liscont com a ausência de um concurso público e espera pelas justificações que estão na base desta decisão.

O presidente do grupo ETE adianta que a empresa também estava interessada na concessão do terminal de Alcântara e considera que se as explicações do Porto de Lisboa não convencerem, tendo em conta a dimensão do projecto, o caso vai parar a tribunal.
António Figueiredo fala ainda num tratamento desigual, acusa o Governo de não ter agido da mesma forma em relação ao terminal de Santa Apolónia, cuja concessão pertence à empresa a que preside no grupo ETE.

Esta manhã, na tentativa de chegar a um entendimento sobre o alargamento do terminal de Alcântara, o vereador da Câmara Municipal de Lisboa José Sá Fernandes vai reunir-se com a Liscont, com a Refer, com a APL e com os concessionários das docas de Santa Amaro.

in TSF


É o que dá fazer negócios à pressa, aprovando leis "à medida" e sem concurso público...

06 novembro 2008

05 novembro 2008

Lisboa, Tejo e tudo

«Soltam-se ais por causa de um prédio no Rato, enquanto a cidade assiste impávida à degradação do Jardim Botânico

As cidades têm mercados e cemitérios. Aeroportos e estações. Algumas, como Lisboa, também têm portos. Isto pode parecer óbvio, mas não é de mais repeti-lo quando vemos as questões de ordenamento do território restringidas a uma espécie de capítulo duma revista de decoração e consensualmente instituído que para evitar polémicas a cidade deveria ser uma espécie de continuum de cafetarias, com empregados de aventais pretos, espaços ditos culturais com muitas valências e articulações multidisciplinares, quiçá multiculturais, e prédios, de preferência baixinhos.
Vem isto naturalmente a propósito da ampliação do cais de contentores de Alcântara. Contudo, antes de lá chegarmos, convém lembrar que Lisboa é uma cidade suja e degradada, onde o poder gasta o dinheiro dos contribuintes em obras de utilidade questionável e manutenção rapidamente esquecida. (Apenas para não sairmos do domínio dos cais e estações basta entrar-se na estação intermodal do Campo Grande, inaugurada com pompa e circunstância nos anos 90, para perceber a distância que vai entre a realidade virtual do anúncio da grande obra e a realidade menos mediática com que se confrontam os utilizadores dessas mesmas obras. A quem não puder ou não quiser sujeitar-se ao cheiro pestilento e aos equívocos gerados pelos preservativos e colchões espalhados pelos cantos daquele que ia ser o grande pólo dos transportes na capital aconselha-se que veja isto e muito mais no blogue lisboasos.blogspot.com.)
Seja portanto pela profusão dos monos recentemente construídos ou pelo balanço do muito que se tem destruído, temos sido levados a defender que, na dúvida, não se faça. Assim soltam-se ais desesperados por causa da construção dum prédio no Largo do Rato, na mesma cidade que assiste impávida à degradação do Jardim Botânico uns passos mais à frente, do cinema Europa mais acima, ou ao roubo dos azulejos das fachadas oitocentistas. Nesta perspectiva da cidade enquanto mesinha redonda duma salinha de tias - arruinadas e desmazeladas, mas tias! -, aquilo que não se vê não interessa. Por exemplo, é praticamente impossível suscitar a mínima atenção em quem quer que seja para o plano de drenagem da cidade, sendo certo que as lacunas, os erros e os muitos preconceitos existentes nesta matéria nos entram pela porta dentro cada vez que chove.
Ao contrário de muitas outras pessoas, profundamente conhecedoras do universo das cargas e descargas, não faço a menor ideia se Lisboa precisa da ampliação deste cais. Mas gostaria de saber. Por exemplo, ao ouvir o primeiro-ministro dizer que toda esta obra servirá para desbloquear o problema económico que afecta o porto de Lisboa, e, por arrasto, todo o país, vem-me imediatamente à lembrança o conto da leiteira que ia enriquecer vendendo leite e comprando ovos, que por sua vez davam patinhos, que por sua vez davam mais ovos e que acabou estatelada no chão mais o leite e as fantasias. "Todo o país por arrasto"? Declarações destas teriam arruinado o sossego de vários chefes de governo em Portugal mas agora não só são banais como já ninguém espera uma posição que não seja de absoluta subserviência e encadernação verde do projecto por parte daquele senhor que faz de conta que é ministro do Ambiente e do Ordenamento.
De igual modo, gostaria de ser esclarecida sobre se o melhor local para esse cais será Alcântara, como defende o actual Governo e o actual presidente da CML, ou Setúbal e Sines como diz o Movimento Lisboa É das Pessoas. Mais Contentores Não e propõe o anterior presidente da CML Carmona Rodrigues.
Aproveitando o balanço da polémica também podemos ser esclarecidos sobre a efectiva utilização dos edifícios e terrenos da Docapesca, na zona de Algés, e toda aquela traquitana que se acumula entre o cais da Matinha e Santa Apolónia; se nos vamos continuar a dar ao luxo e à loucura de mantermos longe da cidade a estação da Rocha do Conde de Óbidos e já agora também não desgostaria de ser mais informada sobre a actuação dos piquetes de trabalhadores perante aqueles que consideram que põem em causa os seus postos de trabalho e se se justifica que se prolongue por mais 27 anos a concessão do cais à Liscont/Mota Engil.
Não tenho grandes ilusões sobre a possibilidade de ver todas estas minhas questões esclarecidas, mas do que tenho absoluta certeza é que não fosse a CML actualmente da responsabilidade do PS já inúmeras vozes da cultura e da cidadania socialista tinham rumado para as margens do Tejo onde, sob o alto patrocínio das Tágides, leriam poemas alusivos à partida do Gama, às grilhetas do fascismo, às mordaças do PREC e claro acabavam a performance denunciando as ligações da Mota Engil à Administração Bush, responsável directa pela subida galopante, não das águas do mar porque entretanto o apocalipse climático foi substituído pelo apocalipse económico, mas sim da altura dos contentores. Recordo que, em 2004, era então a CML liderada por uma coligação PSD-PP, se é que se pode falar de liderança em relação a essa equipa, a construção dumas simples capelas mortuárias em Alvalade suscitou uma reacção tal nessas estremecidas vozes cívicas que, dum momento para o outro, era mais ou menos adquirido que só se podia morrer para lá dos limites da capital e até a simples passagem dos carros funerários ao longo da Avenida de Roma parecia capaz de comprometer os resultados dos rankings escolares das crianças alfacinhas.
Mas como estamos em 2008, no terceiro ano da era Sócrates, não é suposto que o povo tenha dúvidas sobre o superior esclarecimento dos desígnios governamentais. Isso era coisa dos tempos passados. Por ironia, José Sócrates pode agora estar a experimentar nesta contestação à NovAlcântara as consequências de o PS ter alinhado com o que de mais demagógico existiu na oposição às obras do cavaquismo. Eu, que até gosto de portos, que detesto cidades assépticas e que sobre a NovAlcântara só tenho a certeza que o nome é uma pepineira, espero bem que sobre esta obra exista a discussão que não se conseguiu fazer sobre Foz Côa."»

Helena Matos, 05-11-2008, Público

04 novembro 2008

Henrique Neto diz que terminal de Alcântara é absurdo

O empresário socialista Henrique Neto considerou hoje «um absurdo» o projecto do terminal de contentores de Alcântara e criticou a política de obras públicas do Governo, contestando a construção de auto-estradas e o traçado do TGV.

Henrique Neto participou hoje nas jornadas parlamentares do PSD, em Évora, onde fez uma intervenção sobre pequenas e médias empresas e emprego, mas quis também abordar o tema das obras públicas.
No seu discurso, o vice-presidente da Associação Industrial Portuguesa (AIP) insistiu que faltam «estratégia» e «pensamento sistémico» na sociedade portuguesa – crítica que disse abranger o actual Governo e os anteriores governos nesta crítica.

Comentando em concreto o projecto do terminal de Alcântara, o socialista considerou que a ideia de colocar mais contentores no local é «uma coisa absurda».

«É um desperdício de dinheiro que só vai prejudicar Lisboa e – lá está – que não tem nenhuma estratégia por trás», acrescentou, salientando que, «enquanto os Estados Unidos vão querer ter um único porto na costa Oeste e um na costa Leste, Portugal quer ter dois, aparentemente, um em Sines e outro em Lisboa».

Henrique Neto defendeu que Lisboa deve ser «uma capital de serviços e não de indústria» e argumentou que ter um terminal de contentores em Alcântara não faz sentido «por razões de tráfego, porque vai levar camiões para a cidade, por razões ambientais e por razões económicas».

«É muito mais caro ir buscar um contentor a Alcântara do que ir buscá-lo a Peniche ou a Sines», apontou ainda. «O investimento num túnel mais uma ponte, pensar em deslocar a estação dos paquetes para Santa Apolónia: nada disto faz sentido», reforçou.

O empresário recomendou aos deputados do PSD que olhem para Marrocos e para a forma estratégica como está a organizar-se em termos de transporte marítimo e de vias de comunicação.

Quanto a Portugal, segundo Henrique Neto as rodovias «são totalmente desnecessárias» e «a prioridade das obras públicas são as barragens».

«[Construir novas auto-estradas] pode render votos, pode ser muito importante, mas não tem nenhum significado económico», defendeu.

Henrique Neto criticou também o traçado da linha ferroviária de alta-velocidade por passar no Sul de Portugal, dizendo que «como está é um insulto à inteligência e ao desenvolvimento do país».

in Diário Digital / Lusa

Lisboa desprezada

Governar o que quer que seja não é fácil, governar uma grande cidade ainda menos. Lisboa é um exemplo das dificuldades que toda agente tem, sem excepção. Quando António Costa foi eleito fez uma série de promessas. Para além das de gestão corrente, garantiu que queria uma cidade mais humana, que queria uma cidade mais habitada, que queria uma cidade mais virada para o rio, onde fosse mais agradável viver. É um programa comum que poderia ser subscrito por muita gente. No entanto, nas últimas semanas, os factos têm contrariado as boas intenções, as boas declarações, as promessas eleitorais. Comecemos pelo caso do alargamento do terminal dos contentores- qualquer pessoa que se preocupe com a qualidade de vida na cidade preocupa-se com a decisão que o Governo impôs à Câmara, e que António Costa aceitou. O assunto é este: "A ampliação da capacidade do terminal de contentores de Alcântara que o Governo inoportunamente se propõe levar por diante implicará a criação de uma muralha com cerca de 1,5 quilómetros com 12 a 15 metros de altura entre a Cidade de Lisboa e o Rio Tejo. A zona de Alcântara estará sujeita a obras durante umperíodo previsto de seis anos, impossibilitando assim a população de aceder ao rio pelas 'Docas', levando ao fecho de toda a actividade lúdica desta zona, pondo emrisco 700 postos de trabalho. Os terminais de contentores existentes nos portos de Portugal no final de 2006 tinham o dobro da capacidade necessária para satisfazer a procura do mercado." Como se isto não chegasse fiquei a saber pelos jornais de fim-de-semana que a Câmara se prepara para abandonar o projecto de uma zona residencial emEntrecampos, sobretudo destinada aos mais jovens, e em seu lugar quer construir mais escritórios. Eu trabalho nas Avenidas Novas e vejo a quantidade de escritórios que ali estão vazios, há anos, sem encontraremocupante. O cenário repete-se por toda a cidade. Lisboa não tem falta de escritórios, tem é falta de pessoas, de residentes. Não há emprego para tanta área de escritórios - mas é certo que eles são potencialmente mais rentáveis que habitações para arrendamento a preços não especulativos. No fim a conversa é sempre a mesma: promove-se o que é mais rentável para interesses particulares, abandona-se o que é mais importante para fazer reviver a cidade e dar conforto a quem a habita. O cenário repete-se por toda a cidade. Lisboa não tem falta de escritórios, tem é falta de pessoas, de residentes. Não há emprego para tanta área de escritórios

Manuel Falcão, 04-11-2008, Meia Hora

03 novembro 2008

Petição

Constituição da República Portuguesa, Artigo 52^: "l Todos os cidadãos têm o direito de apresentar, individual ou colectivamente, aos órgãos de soberania (...) representações, reclamações ou queixas para defesa dos seus direitos, da Constituição, das leis ou do interesse geral e, bem assim, o direito de serem informados, em prazo razoável, sobre o resultado da respectiva apreciação. 2. A lei fixa as condições em que as petições apresentadas colectivamente à Assembleia da República e às Assembleias Legislativas das regiões autónomas são apreciadas em reunião plenária. 3. É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular nos casos e termos previstos na lei (...) nomeadamente para: a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida, a preservação do ambiente e do património cultural; b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais." E agora? Agora, bate chapas e tintas Robbialac. E foi assim que a Petição reclamando a reavaliação do projecto de expansão do terminal de contentores de Alcântara deu entrada no Parlamento sextafeira passada com um número de assinaturas mais que suficiente para que o órgão de soberania Assembleia da República apreciasse as razões dos peticionários. Porém, antes mesmo que alguma instância da democracia decidisse como e quando a Petição seria analisada, aceite, tida em conta ou eventualmente deitada para o lixo, as duas empresas interessadas no negócio decidiram e anunciaram publicamente que as obras vão começar. A Constituição também determina a "subordinação do poder económico ao poder político democrático". Pois sim.

João Paulo Guerra, 03-11-2008, Diário Económico

Repugnante

"É repugnante a promiscuidade que existe entre a classe política e a actividade empresarial. A concessão sem concurso público do terminal de contentores de Alcântara reforça esta imagem negativa. O ingresso de ex-ministros na presidência de grandes grupos económicos reforça a imagem que temos desta classe política, à caça de poder e de chorudas remunerações."

FERNANDO LIMA FRIELAS, 03-11-2008, Global Notícias

02 novembro 2008

'Guerra' dos contentores na AR

O movimento cívico que contesta a ampliação do terminal de contentores em Alcântara, Lisboa, está a "ponderar" angariar 35000 assinaturas para a petição, de forma a poder pedir a revogação do decreto-Lei que permite a realização da obra.

A afirmação foi feita ontem aos jornalistas pelo presidente da Associação dos Concessionários da Doca de Santo Amaro no final de uma reunião com o presidente da Assembleia da República a quem entregaram 4000 assinaturas da petição "Lisboa é das pessoas. Mais contentores não", o número exigido por lei para que o assunto seja debatido no Parlamento.

Frederico Colares Pereira falava no final de uma reunião com Jaime Gama - que durou cerca de 30 minutos e contou com a presença do presidente da Comissão Parlamentar de Obras Públicas, Miguel Frasquilho - em que participaram outros elementos do movimento cívico, designadamente o escritor Miguel Sousa Tavares, o presidente da Junta de Freguesia dos Prazeres, o deputado social-democrata Luís Rodrigues e o ex-vereador da Câmara de Lisboa António Proa.

"A reunião correu muito bem e o presidente da Assembleia da República disse-nos que vai levar o assunto à Assembleia para discussão", disse Frederico Colares Pereira, acrescentando que desta forma o "primeiro objectivo" do movimento cívico" "foi alcançado".

Questionado sobre o facto de a Administração do Porto de Lisboa (APL) negar que a ampliação do terminal de contentores implique uma "muralha" com cerca de 1,5 quilómetros com 12 a 15 metros de altura entre a cidade de Lisboa e o Rio Tejo, o representante dos concessionários das docas disse ser natural que "A APL esteja a defender o seu projecto".

Sobre se o movimento cívico tem alternativas para o projecto da APL, Frederico Colares Pereira respondeu que não cabe ao movimento avançar com alternativas, uma vez que não são "técnicos". Cabe-lhes antes reclamar que o terminal de contentores de Alcântara não aumente, uma vez que o rio Tejo "é dos lisboetas e de todos os portugueses", acrescentou.

Contestou ainda que os promotores da petição "Lisboa é das pessoas. Mais contentores não" estejam contra as actividades portuárias, sublinhando que "até ao momento todos conviveram de forma salutar e sem conflitos", uma questão que "se tornará impossível no futuro caso a APL triplique a capacidade do terminal de contentores de Alcântara".

Colares Pereira responsabilizou ainda a APL pelos futuros transtornos que irá causar à população de Lisboa caso a obra avance, uma vez que a realizar-se será com "capital do erário público", implica "sete anos de obra" e irá "provocar o caos" na zona de Alcântara.

in JN, 01-11-2008

01 novembro 2008

PSD coloca outdoor a simular barreira entre cidade e rio


A distrital de Lisboa do PSD vai colocar, este sábado, um outdoor de contestação à expansão do terminal de contentores de Alcântara, com uma «montagem gráfica» que simula a barreira entre a cidade e o Tejo, diz a Lusa. «Não deixes que te roubem o rio» é o slogan do cartaz.

O cartaz terá uma imagem que «antecipa o cenário pós-alargamento do terminal de contentores, transmitindo a ideia de uma barreira frente ao Tejo», disse António Prôa, da distrital social-democrata.

O grupo parlamentar do PSD na Assembleia da República pediu a apreciação do decreto-lei, que alterou as bases da concessão da exploração do terminal de contentores, aprovado em Conselho de Ministros a 23 de Setembro.


in Portugal Diário, 31-10-2008

Ainda Lisboa e os contentores em Alcântara

A ampliação da duração do contrato entre a APL e a Liscont para a concessão do terminal de contentores de Alcântara até 2042, ampliando também a área e o volume de tráfego concessionado, sem concurso público tem consequências danosas para os Lisboetas, para os utentes da zona de Alcântara e para os actuais e futuros contribuintes de todo o País.Entende-se que o Estado queira realizar receitas.Mas não se pode aceitar é que seja à custa de sacrificar uma zona de Lisboa (Alcântara) e de, o que é bem pior, o faça à custa de obras perfeitamente despropositadas.Vejamos o que seria racional : Que percentagem dos contentores movimentados ou a movimentar no terminal de Alcântara se destina à cidade de Lisboa ? É, seguramente, muito reduzida. E, de qualquer forma, seria distribuída por via rodoviária e não ferroviária. Então, o "magno problema" do tráfego ferroviário associado ao encaminhamento terrestre desses contentores poderia ser resolvido não com as anunciadas obras caríssimas e de grande perturbação para o tráfego rodoviário que demanda a zona lisboeta de Alcântara, mas com a deslocalização daquele terminal para outro sítio, onde se possa expandir sem perturbar o regular funcionamento viário de Lisboa. Fazer circular por dentro da capital o tráfego de contentores que não lhe é destinado é persistir (e agravar) num erro. Em nenhum outro País europeu tal seria admitido.A APL tem certamente outros locais para esta função. Não esqueçamos que o Tejo tem 2 margens e que um responsável da empresa ainda há pouco tempo citava com entusiasmo um local muito favorável na margem esquerda.Será que a C M Lisboa está de acordo com o que a APL pretende para Alcântara ? O que é que poderá ganhar com isso ?Vão ser os residentes de Alcântara e todos aqueles que diariamente lá têm de passar a sofrer, sem qualquer contrapartida, os incómodos das enormes obras que se pressagiam ?E vão ser os actuais e futuros contribuintes a ter de suportar os encargos com as obras inerentes à ampliação do negócio da Liscont, em Alcântara ?

Luís Cabral da Silva, 01-11-2008, Sol

31 outubro 2008

Manuel Alegre muito duro nas perguntas ao Governo

Sete considerações, em que aponta o que chama de "elementos contraditórios", e quatro perguntas formam o texto em que Manuel Alegre questiona o Governo sobre o projecto de ampliação do terminal de contentores do Porto de Lisboa, em Alcântara. No requerimento, ontem entregue no Parlamento, o deputado socialista começa logo por dizer que não sabe que "benefícios o projecto pode trazer aos cidadãos". "Sei que lhes tira rio, espaço, paisagem, bem-estar. E também o direito à beleza que faz parte dos direitos de cidadania", acrescenta. Lembra a seguir que o regime jurídico das operações portuárias determina que as concessões de serviço público de actividades portuárias "só possam ser atribuídas por concurso público" e que a lei define para as mesmas um prazo limite "não superior a 30 anos ". O Governo prorrogou por mais 27 anos, até 2042, o prazo da concessão do terminal à Liscont, alegando, lembra o deputado, pela necessidade de criar "soluções destinadas ao desenvolvimento e renovação desse terminal, em virtude das novas circunstâncias verificadas no mercado dos serviços portuários ". Alegre diz Alegre diz que o terminal tira rio, espaço, paisagem, bem-estar e direito à beleza aos cidadãos portugueses que as "novas circunstâncias" invocadas apontam para a triplicação da capacidade do terminal e surge sem que "sejam conhecidos os estudos em que tal previsão se suporta". "Perante estes elementos contraditórios e face às lacunas de informação", Alegre faz então as quatro perguntas ao Governo: "a) Quais as razões de uma prorrogação, desde já, por 27 anos e sem concurso, de uma concessão que só termina em 2015?; b) Quais são as "novas circunstâncias" que motivaram esta decisão?; Em que estudos comparativos se baseiam? Qual a política nacional portuária que lhe está subjacente?; c) Onde está o "novo plano de investimentos" que importa concretizar? Qual o montante em que foi avaliada a prorrogação da concessão agora verificada?; d) Qual a opinião do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional sobre os impactos ambientais das transformações que se pretendem levar acabo com a ampliação do terminal de contentores de Alcântara?

Público, 31-10-2008

Movimento entrega petição ao Presidente da Assembleia da República

A petição "Lisboa é das pessoas. Mais contentores não!", iniciativa lançada pelo movimento da sociedade civil, protagonizado por Miguel Sousa Tavares e pela Associação dos Concessionários da Doca de Santo Amaro, irá ser entregue ao Presidente da Assembleia da República, Dr. Jaime Gama, na próxima sexta feira, dia 31, pelas 11 horas da manhã.

Petição atinge 4000 assinaturas em menos de 36 horas

O movimento que lançou a petição “ Lisboa é das pessoas. Mais contentores, não!”já reuniu, desde o momento do seu lançamento, na passada segunda-feira dia 27, as 4.000 assinaturas necessárias para que a Assembleia da República discuta a reavaliação do projecto de Ampliação do Terminal Contentores de Alcântara e respectivo Nó Ferroviário, reivindicada pelos signatários do documento. A petição será agora entregue ao Presidente da Assembleia, Dr. Jaime Gama, em audiência.

Esta petição pede a revogação do decreto-lei que permite a extensão da concessão à empresa Liscont e a triplicação da capacidade do terminal de contentores de Alcântara (DL 188/2008). O Direito Constitucional português prevê o direito de petição, que obriga a apreciar em plenário as petições subscritas por mais de 4.000 cidadãos. A petição contava no dia 30 de Outubro, pelas 15:45 H, com mais 7846 assinaturas.

O movimento “Lisboa é das pessoas. Mais contentores, não!” teve a sua primeira acção de apresentação no dia 27 de Outubro e reuniu num encontro cerca de 200 pessoas, entre as quais diversas figuras públicas provenientes de todas as áreas da sociedade civil. A petição conta com o apoio de várias entidades de referência da sociedade portuguesa, nomeadamente, Alexandre Relvas, António Proa, António Pires de Lima, António Pinto Bastos, Carmona Rodrigues, Carlos do Carmo, Carlos Horta e Costa, Fernando Nobre ( presidente da AMI), Francisco Ferreira (da Quercus), Eng. José Manuel Cerejeira, José da Câmara, Arq. Gonçalo Ribeiro Teles, Helena Roseta, Luis Campos e Cunha, Luis Rodrigues, Rui Veloso e Pedro Ferraz da Costa.
Para além destas personalidades, o movimento conta com o apoio directo dos Presidentes das Juntas de Freguesia de Alcântara, Prazeres e Lapa, freguesias nas quais a pretendida obra terá um impacto negativo directo. Salienta-se ainda que assinaram a petição os presidentes de 40 juntas de freguesia, do total das 53 juntas de freguesia existentes na cidade de Lisboa.

O recém-criado movimento de cidadania “Lisboa é das pessoas. Mais contentores, Não!” – protagonizado por Miguel Sousa Tavares e pela Associação dos Concessionários da Doca de Santo Amaro (ACDSA), integra já centenas de proeminentes personalidades da sociedade civil portuguesa, e está absolutamente empenhado em esclarecer e alertar a população para a realização de um empreendimento que, além de ser injustificável, técnica e economicamente, e de ir causar enorme impacte ambiental negativo, numa das mais nobres zonas da cidade de Lisboa, constitui exemplo flagrante de interesses privados prevalecentes sobre os do País.

30 outubro 2008

E o resto é paisagem?

Noutros tempos era costume dizer-se que "Portugal é Lisboa e o resto é paisagem". Mas nos tempos que correm esse adágio já não faz grande sentido. A qualidade de vida na capital e boa parte da respectiva área metropolitana é hoje inferior à que se pode usufruir em inúmeros municípios situados naquilo a que outrora se chamava "província". E mesmo o direito à paisagem parece longe de estar garantido aos lisboetas. É o que ocorre dizer a propósito do projecto de ampliação do terminal de contentores do porto de Lisboa, cuja cedência até 2042, sem concurso público, a uma empresa dirigida por um antigo ministro socialista, Jorge Coelho, levanta as maiores reservas: soubese esta semana, através do Sol, que está a analisada pelo Tribunal de Contas e já se sabia que tem a oposição de todos os partidos e movimentos representados na Assembleia Municipal de Lisboa -exceptuando, claro, o PS. Um dos problemas em toda esta história é não se saber muito bem do que se está a falar. O Governo, por exemplo, diz que compensará os cidadãos pela parte de rio que lhe vai retirar, mas não diz aonde. Nem esclarece exactamente qual o impacte sobre a paisagem, limitando-se a afirmar que será "limitado". O presidente da autarquia afinou por este diapasão, dando o aval do município ao projecto, e joga por isso boa parte da sua legitimidade nesta questão, que promete ser um dos temas centrais da campanha autárquica. Mas no meio de toda esta intensificação, sabe-se que falamos da triplicação da área de armazenamento de contentores naquela que é uma das raras zonas lúdicas com ligação ao rio nesta cidade - um muro de contentores de 12 a 15 metros ao longo de 1500 metros. Esta maravilha do regime implica o fim da zona das docas e um corte brutal na zona de aproximadamente quatro quilómetros, entre Alcântara e a Torre de Belém. Uma área perto da água que precisava de equipamentos decentes, comuns para qualquer munícipe de Cascais ou de Oeiras, e não de ser encurtada em um quilómetro e meio. Vamos ao contexto? O contexto é que há anos o alfacinha ouve dizer que as mudanças a introduzir na zona ribeirinha da cidade representarão mais zonas de lazer perto do rio. O primeiro projecto a ser conhecido vai exactamente na direcção A qualidade de vida na capital é hoje inferior à que se pode usufruir em inúmeros municípios situados naquilo a que outrora se chamava "província" contrária. Em vez de apostar na qualificação de uma zona que pode ser valorizada turisticamente ou para o bem dos cidadãos, zás!, fazse um armazém. Dou de barato esta ideia algo deprimente de que um "armazém" pode ser uma grande obra de regime. E leio por cima de tudo isto que, de acordo com o Tribunal de Contas, a área de armazenamento actual está subaproveitada. Então para quê investir numa empreitada destas dimensões? Já sei: vêm aí os apóstolos do progresso declarando que obras como esta são vitais para o desenvolvimento do país. O próprio primeiro-ministro diz que, com o afundamento da linha férrea que atravessa a Avenida 24 de Julho, vaise acabar com um estrangulamento à mobilidade da capital. Eu sei que sou pouco entendido nestas coisas dos contentores - mas podem explicar-me como é que triplicar a capacidade de armazenamento de contentores em Alcântara contribui para aliviar Alcântara? O que fica claro é então isto. Numa cidade em crise absoluta, cujo município parece não ter programa, políticas ou discurso, em que os prejuízos colossais das empresas municipais não coíbem os respectivos gestores de comportamentos como os apontados no caso Gebalis, não é possível admitir que o maior investimento previsto pelo Estado para Lisboa vá no sentido da diminuição dos direitos dos munícipes, em favor de um projecto de utilidade muito pouco clara. Nesta cidade, pelos vistos, os cidadão são só paisagem. É uma marca de provincianismo.

Miguel Gaspar, 30-10-2008, Público

29 outubro 2008

A AMPLIAÇÃO DO TERMINAL DE CONTENTORES EM ALCÂNTARA

Com a maior surpresa e sem qualquer discussão pública, em Abril de 2008, o País tomou conhecimento, pela comunicação social, da assinatura de um acordo entre as diversas entidades para a realização do empreendimento designado por Nova Alcântara/Nó Ferroviário/Terminal de Contentores. Este empreendimento prevê, em síntese: a ligação ferroviária desnivelada da linha de Cascais com a linha de Cintura, a ligação ferroviária desnivelada ao Terminal de Contentores e a ampliação deste terminal para triplo da capacidade actual, de 350 000 para 1 000 000 de TEU (twenty-foot equivalent unit).

Pretende-se com a presente mensagem esclarecer e alertar a sociedade para a pretendida realização de um empreendimento que, além de ser injustificável, técnica e economicamente, e de ir causar enorme impacte ambiental negativo, constitui exemplo flagrante de interesses privados prevalecentes escandalosamente sobre os do País. Por muito estranho que isso pareça, até ao momento apenas surgiu na comunicação social um “grito” discordante, da autoria de Miguel Sousa Tavares, no Expresso do passado dia 3 de Maio, sob o título: “Enche-se-me o coração de tristeza”. No seu estilo contundente, critica a referida ampliação do Terminal de Contentores de Alcântara e a prorrogação por mais 27 anos, até 2047, do monopólio que a Liscont aí detém.

Admite-se que a ausência de maior reacção por parte da sociedade se deve, principalmente, por um lado, a desconhecimento mais concreto desse plano e dos interesses subjacentes e, por outro lado, à dificuldade de antecipar as suas reais consequências sob os aspectos económicos, financeiros e ambientais. Por estas razões é importante e urgente todo o contributo que proporcione melhor esclarecimento e que alerte a sociedade sobre o que realmente está em causa.
No final de 2006 o signatário escreveu um artigo de opinião publicado na revista técnica Engenharia e Vida sob título "A Expansão do Porto de Lisboa e o Fecho da Golada". Conforme exposto no respectivo preâmbulo, a sua preocupação dominante era que o Plano Estratégico do Porto de Lisboa, que então se encontrava na fase de conclusão, contemplasse a zona da Trafaria e Cova do Vapor na expansão que o porto teria que efectuar no curto/médio prazo. Conforme evidenciado nesse artigo essa zona é, sem qualquer dúvida, o melhor local de todo o estuário do Tejo para a construção de instalações portuárias modernas. Além disso, defendia que a realização dessa obra constituiria uma oportunidade excelente para reabilitar e estabilizar, com carácter permanente, a praia da Caparica.

Este artigo teve alguma divulgação no meio técnico e, na sequência, o signatário foi convidado, a título pessoal,pela APL para dar parecer sobre a melhor solução a desenvolver nessa zona. De facto, nessa ocasião, o referido Plano Estratégico do Porto de Lisboa, na fase final em que se encontrava, apontava já para que um novo terminal de contentores se localizasse nessa zona a partir de 2010. O signatário procurou então dar a melhor resposta a essa solicitação da APL. Mobilizou o Prof. Eng. Mota Oliveira, que tinha sido o coordenador dos estudos e projectos relacionados com a obra do Fecho da Golada para a APL, e reuniu com o Director do LNEC, Eng. Matias Ramos e o corpo técnico do sector da engenharia costeira desta conceituada entidade. Em resultado, foi apresentada à APL a solução consensual que resolveria, simultaneamente, a expansão do porto e a recuperação e estabilização, com carácter permanente, da praia da Caparica. Essa solução foi muito bem acolhida pela APL e, inclusive, ficou apontado que esta entidade iria, a breve trecho, pedir ao LNEC a realização dos estudos necessários para bem a fundamentar.

Na exposição apresentada nas Jornadas de Engenharia Costeira e Portuária, realizadas em Outubro de 2007 em Lisboa, o engenheiro coordenador, por parte da APL, da elaboração do referido Plano Estratégico, informava que as conclusões apontavam para um novo terminal de contentores na Trafaria. Notícia publicada em Novembro de 2007, em revista da especialidade, reportava declarações do Presidente da APL que também iam nesse sentido. Contactos pessoais com a APL confirmaram que esta entidade estava em negociação com a Mota-Engil, proprietária da Liscont, tendo como objectivo avançar-se com o novo terminal de contentores na margem Sul.

Com a maior surpresa, em Abril de 2008, o País tomou conhecimento, pela comunicação social, da assinatura do acordo entre as várias entidades para a realização da ampliação do Terminal de Contentores de Alcântara, integrada no citado empreendimento.
É importante esclarecer que o terminal de contentores está em Alcântara em resultado das recomendações do Plano Orientador do Desenvolvimento Integrado dos Portos de Lisboa , Setúbal e Sines, elaborado no início da década de 1980 pela empresa americana TAMS, associada a empresas nacionais, no qual o signatário foi coordenador da contribuição nacional. Na ocasião, o terminal de contentores de Santa Apolónia encontrava-se praticamente saturado e era necessário encontrar uma solução com viabilidade a curto prazo. Essa solução foi então a de se adaptar o terminal de Alcântara, acabado de ser ampliado para carga geral, e de promover a sua adaptação para servir as necessidades da carga contentorizada até um horizonte temporal que, entretanto, já expirou. A solução preconizada para as acessibilidades terrestres consistia em manter, no complexo nó de Alcântara, as vias férreas de nível e construir passagens rodoviárias. Era essa a solução mais económica, como convinha por serem obras de carácter provisório. No futuro teria que ser escolhido outro local e a zona da Trafaria-Cova do Vapor foi um dos locais que ficavam reservados para esse efeito.

É verdadeiramente assustador o plano das obras que agora decidiram fazer num local que, por um lado, não deixou de ser provisório para o fim em vista e, por outro lado, tem enormes dificuldades de concretização e, consequentemente, custos públicos muito elevados. De acordo com o que se sabe, compete à Mota-Engil e à APL ampliar as instalações do terminal, com a contrapartida da exploração do mesmo até 2047. Competirá ao Estado resolver o problema das acessibilidades. Contudo, agora já não é da forma mais económica acima referida, mas sim desnivelando as vias férreas de um nó extremamente complexo. A ligação ferroviária desnivelada ao terminal vai entrar na chamada Doca do Espanhol e, parte dessa doca "molhada", terá que ser transformada em doca "seca" para albergar o feixe das vias férreas.

O signatário conhece bem as condições geotécnicas locais, em decorrência das intervenções que tem tido em projectos nessa zona, e, como especialista na concepção e no projecto de inúmeras docas secas no Pais e no estrangeiro (entre outras, as da Lisnave em Setúbal, a de Cadiz, a do Bahrain e algumas no Brasil) e de outras infra-estruturas de transportes, antevê as maiores dificuldades e, seguramente, custos muito elevados e difíceis de antecipar com rigor, para a concretização dessas obras que, salienta-se, são as que irão ficar por conta do Estado. Acresce que o desnivelamento das vias férreas no vale de Alcântara, além de sérios constrangimentos à realização de uma intervenção desta natureza numa área urbana tão congestionada, constitui uma extensa "barragem" transversal ao vale e obstáculo à ligação natural deste com o rio, com consequências hidráulicas e ambientais consideráveis.
É de estranhar que, até ao momento, ainda não tenha aparecido séria contestação à realização destas obras por parte da oposição politica, quer a nível autárquico quer nacional, e de outras entidades, nomeadamente as ligadas ao ambiente.

Com a ampliação do Terminal de Contentores de Alcântara a cidade de Lisboa vai ser enormemente prejudicada, por muitos mais anos, com uma instalação portuária dentro dela e cercada pelas zonas mais nobres da cidade pois, além de ficar emparedada com pilhas de contentores de 15m de altura e 1,5km de comprimento, e com o triplo dos equipamentos actuais, irá sofrer um significativo aumento dos tráfegos de atravessamento rodo-ferroviário e de navios. Além disso, perde-se uma excelente oportunidade para reabilitar e estabilizar, com carácter permanente, a praia da Caparica.

Além dos elevadíssimos custos que a ampliação do Terminal de Contentores de Alcântara e a construção das respectivas acessibilidades irão ter, teremos que continuar, por muitos mais anos, a gastar fortunas a colocar enrocamentos nos esporões da praia da Caparica, a alimentar com areias essa praia, a dragar essas mesmas areias que continuamente vão obstruindo o canal de navegação de acesso marítimo ao porto e a executar dispendiosas obras de protecção na margem direita do rio que, sem o banco do Bugio, fica exposta aos temporais do SW.

Por fim, como se tudo o que antecede não bastasse, está actualmente a ser gasta outra fortuna na construção de um novo terminal de cruzeiros em Santa Apolónia, quando a cidade tem já o de Alcântara que, além de dispor dessa tradição e estar situado em local muito privilegiado para o efeito, tem todas as condições para, com custos relativamente reduzidos, ficar devidamente apetrechado com os requisitos exigidos num moderno terminal desta natureza. Para que era preciso construir outro de raiz? Só pode haver mesmo uma explicação: poderosos interesses disputaram esse espaço.

Como é possível um País, com tantas carências, delapidar tão impunemente o valioso património que ainda dispõe, desperdiçar recursos em obras injustificáveis, mesmo com base no mais elementar bom senso, e como é que os seus principais responsáveis deixam que, tão descaradamente, os interesses privados prevaleçam sobre o interesse público?

A situação faz realmente encher o coração de tristeza, como diz Sousa Tavares, e de revolta também.

José Manuel Cerejeira
Engenheiro Civil

Contentores e Capital

Numa altura em que a crise financeira além-fronteiras se reflecte em Portugal, e estando previstas obras públicas de vulto, determinantes para o desenvolvimento do País, será um erro apostar-se nelas, quando algumas, além de precisarem de ser repensadas quanto à localização, exigem verbas avultadas para a concretização. É necessário melhorar infra-estruturas que potenciam o crescimento económico, em vez de se gastar tempo e dinheiro em projectos que com o tempo se conclua terem sido mal estudados. O potencial de crescimento de um terminal de contentores de Lisboa não está no terminal de Alcântara, mas num terminal feito de raiz na margem sul do Tejo, aproveitando a zona da Trafaria, que oferece também condições de segurança a navios de grande porte. Paralelamente, poder-se-ia desenvolver a construção de um túnel para Algés, para fazer o escoamento das mercadorias contentorizadas de e para os destinatários, sem terem de passar pelo centro da cidade. Certamente ninguém está contra o desenvolvimento destes projectos, mas seria bom que as entidades envolvidas reformulassem os mesmos, apontando para soluções mais rentáveis, uma vez que aproveitando a zona entre a Trafaria e o Farol do Bugio, a zona de Alcântara e a restante zona ribeirinha, poderiam dar lugar à chegada dos grandes paquetes que nos visitam e potenciam o desenvolvimento do turismo. A libertação da zona ribeirinha de Lisboa do congestionamento que se conhece permitiria que os lisboetas e os visitantes da cidade pudessem desfrutar de um ambiente mais limpo e da criação de zonas de lazer, as quais poderiam igualmente gerar fontes de receita.

Américo Lourenço, DN, 29-10-2008

28 outubro 2008

Moção sobre a ampliação do terminal de contentores de alcântara

MOÇÃO

A CML, presidida pelo Dr. António Costa, e apoiada na maioria PS/BE, demitindo-se de exercer devidamente as competências que lhe cabem na área do Urbanismo, adjudicou directamente à REFER - Rede Ferroviária Nacional, empresa na tutela dos Ministérios das Finanças e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, cujo principal objectivo consiste na prestação do serviço público de gestão da infra-estrutura integrante da rede ferroviária nacional, o Plano de Urbanização de Alcântara, instrumento fundamental para o futuro desenho urbanístico desta importante zona da Cidade, com as seguintes consequências:

Deu uma machadada decisiva e irrecuperável na qualidade do espaço público ribeirinho em Lisboa e na possibilidade de os Lisboetas fruírem do rio Tejo;

Descredibilizou os projectos por si propagandeados na comunicação social sobre a reabilitação da zona ribeirinha;

Deu cobertura total à aprovação do Decreto-Lei n.º 188/2008, de 23 de Setembro, que altera a concessão do terminal portuário de Alcântara, estendendo até 2042 a concessão, à LISCONT, do terminal de contentores;

Garante a “construção” de uma muralha de dimensões brutais na zona de Alcântara, que esconde, afasta e separa o rio Tejo da Cidade e dos Lisboetas.

Em Reunião de 22 de Abril passado, a Assembleia Municipal de Lisboa aprovou uma Moção em que manifestou a sua oposição à decisão da CML de adjudicar directamente, à REFER, o Plano de Urbanização de Alcântara.

Relembra-se que o Dr. António Costa afirmou publicamente nesta Assembleia Municipal desconhecer o projecto Nova Alcântara, anunciado em Abril pelo Governo, tendo estado ausente da apresentação pública do mesmo.

Até à presente data, o Dr. António Costa não deu nota pública de já estar devidamente informado sobre o mesmo, como minimamente se exige ao mais alto responsável do Município de Lisboa.

Também não se ouviu, até agora, o Dr. António Costa condenar esta intervenção que agride profundamente os interesses de Lisboa e dos Lisboetas, afectando a qualidade da frente ribeirinha e do espaço público, continuando o Presidente da CML mergulhado num silêncio que só pode significar concordância com este atentado à Cidade.

A Assembleia Municipal de Lisboa, reunida em 21 de Outubro de 2008, delibera:

1. Renovar e reforçar a sua oposição à decisão da CML de adjudicar directamente à REFER o Plano de Urbanização de Alcântara e condenar a extensão da concessão do terminal de contentores à LISCONT.

2. Condenar o silêncio conivente do Presidente da CML, Dr. António Costa, em todo este processo.

3.Expressar o seu apoio à iniciativa do Grupo Parlamentar do PSD de suscitar a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 188/2008, de 23 de Setembro, sobre a “Concessão do terminal portuário de Alcântara”.

4. Transmitir a presente Moção ao Governo, aos Grupos Parlamentares e à CML.

Assalto a Lisboa

Quase vinte anos a escrever constantemente contra as inúmeras tentativas de expropriar aos cidadãos de Lisboa a frente ribeirinha do Tejo para a enk J tregar a interesses privados^ vados ou a obras públicas inúteis têm-me ensinado que este será sempre um combate de retaguarda, recuando sucessivamente de trincheira em trincheira, sem perspectivas de vitória no final. Num mundo normal (nem sequer num mundo perfeito), numa cidade como Lisboa — que tem o luxo de ter 14 km de estuário de rio, que, além do mais, representam o seu maior património histórico de referência — nada seria consentido fazer que pudesse comprometer aquilo que é o domínio público mais importante da cidade e o seu traço marcante decisivo. O rio seria de Lisboa e de ninguém mais, porque Lisboa sem o rio será apenas uma paisagem em degradação acelerada. Mas nós não vivemos num mundo normal. Nós vivemos numa democracia em que os interesses privados passam tranquilamente à frente do interesse público, com sucessivos pretextos que, olhados de perto, não passam de um embuste. É por isso que, mesmo contra toda a esperança, é preciso não desistir de defender Lisboa contra os seus predadores — porque eles nunca desistirão das suas intenções. Hoje, volto assim a um tema de que já aqui falei duas vezes, a última das quais a semana passada: o projecto escandaloso, já aprovado pelo Governo, de erguer um muro de contentores na zona de Alcântara, podendo ocupar até 1,5 km de frente de rio, com uma altura de 15 metros — o equivalente a um prédio de quatro andares. Este caso, aliás, vem demonstrar que, pior ainda do que um mercado desregulado por falta de intervenção do Estado — que subitamente tanto preocupa José Sócrates — é um mercado regulado pelo favor político do Estado, como sucede entre nós, de forma cada vez mais chocante. A 'Nova Alcântara', como pomposamente lhe chama José Sócrates, é uma obra prejudicial à cidade de Lisboa, inútil e desbaratadora de dinheiros públicos, com todo o aspecto de ser ilegal e que levanta fundadas suspeitas de favorecimento negociai inadmissível. É devastadora para a cidade, porque, além de uma extensa faixa de rio, nos vai roubar um dos privilégios únicos que Lisboa tem: a possibilidade de ver atracados ao seu centro os navios de passageiros cuja imagem faz sonhar milhões de pessoas no mundo inteiro. Nunca mais aí veremos navios tão emblemáticos como o 'Queen Mary ll' ou o imenso 'Sovereign of the Seas', empurrados para a periferia de Santa Apolónia e substituídos por uma muralha de quilómetro e meio de contentores. Nem rio, nem navios: uma montanha de caixotes de ferro, empilhados uns sobre os outros. Mas o roubo do rio não se fica por aí: aproveitando o balanço e a deslocação do terminal de navios de passageiros da gare onde estão os painéis de Almada Negreiros para o extremo oriental da cidade, o Porto de Lisboa esfrega as mãos de contente e prepara-se para dar cumprimento à sua mais recorrente ambição: a construção imobiliária à beira-rio. Deixa-se a gare de Alcântara e os painéis de Almada para os contentores e vai-se fazer em Santa Apolónia, em cima do rio, mais uma barreira de 600 metros de comprimento e outros 15 a 20 de altura, para albergar uma nova gare e, já agora, um centro comercial e um hotel... para os passageiros dos barcos, com camarote pago a bordo. E há outro dano, ainda: durante seis anos, o governo vai lançar mãos à obra de enterrar a via férrea existente, adaptando-a à necessidade de escoar um milhão de contentores a partir do centro da cidade. Num ponto crucial de entrada e saída de Lisboa, vamos ter um pandemónio instalado durante vários anos, para conseguir fornecer as acessibilidades tornadas necessárias pela localização errada do terminal de contentores. Nessas obras, vai o governo gastar para cima de 200 milhões de euros, através da CP e da Refer, de forma a tornar viável um negócio privado que é, além do mais, totalmente inútil. Lisboa tem capacidade subaproveitada para receber contentores — mas não ali e justamente na zona oriental, para onde querem mandar os navios de passageiros. Aliás, em Alcântara, vai ser ainda necessário dragar o rio, porque o seu fundo não assegura o calado dos navios que para ali se querem levar para despejar contentores. E, quando tanto se fala em descentralização, é notável pensar que o Estado quer investir 200 milhões para trazer contentores para o centro da capital, quando ali ao lado, em Setúbal, existe um porto perfeito para isso e cuja capacidade não aproveitada é de 95%! E isto para já não falar em Sines... Tão absurdo projecto só pode ser fruto de uma imbecilidade inimaginável 0u... de uma grande, grandessíssima, negociata. Ponham-me mais os processos que quiserem, mas isto eu devo à minha consciência dizer: o negócio que o governo acaba de celebrar para Alcântara com a Liscont/Mota Engil, aprovado pelo Decreto-Lei n B 188/2008, de 23 de Setembro, tem de ser investigado — pela Assembleia da República, pelo Tribunal de Contas, pela Procuradoria-Geral da República. É preciso que fique claro do que estamos a falar: se de um acto administrativo de uma estupidez absoluta ou de mais um escândalo de promiscuidade político-empresarial. Em 1984, o Decreto-lei n. Q 287/84 estabelecia as bases para a exploração do Terminal de Contentores de Alcântara, com as seguintes condições: área de ocupação restrita; atracagem apenas permitida a navios que, pelo seu calado, não pudessem acostar a Santa Apolónia; prazo de exploração de 20 anos, e concessão mediante concurso internacional. Com estas condições, apenas uma empresa — a Liscont — se apresentou a concurso e tomou a exploração, que rapidamente se revelou deficitária. Em 1995, salvo erro, a Liscont é comprada pela Tertir, que vem a obter do Governo, nos anos seguintes, alterações ao contrato, que de todo subvertiam as regras do caderno de encargos do anterior concurso internacional: mais área de ocupação, possibilidade de acostagem de todo o tipo de navios e mais dez anos de prorrogação do prazo, agora fixado até 2014. Em 2006, oito anos antes de expirar o prazo da concessão, a Tertir é, por sua vez, comprada pela Mota-Engil, por um preço anormalmente elevado face à perspectiva de negócio futuro. Mas, em Abril deste ano, sem que nada o fizesse prever ou o aconselhasse em termos de interesse público, fica-se a saber que a concessionária obteve do Governo nova revisão extraordinária do contrato, com as seguintes alterações: alargamento da capacidade de descarga para mais do triplo; aumento da área de ocupação para mais do quíntuplo; manutenção das taxas, já reduzidas, de operação; e prolongamento do prazo de concessão por mais 27 anos (!), até 2042. Tudo sem concurso público, tudo negociado no segredo dos deuses, tudo perante o silêncio atordoador de António Costa, presumido presidente da Câmara de Lisboa. E, finalmente, em Setembro passado, através do citado Decreto-lei 188/2008, fica-se a saber que o Governo ainda se disponibiliza para investir mais de 200 milhões de euros para garantir à Liscont/Tertir/Mota-Engil as obras necessárias a garantir o escoamento da sua capacidade triplicada de movimento. Imaginem: eu tenho um pequeno restaurante à beira-rio, que não é viável, por falta de espaço e de acessibilidades, e cuja concessão a lei prevê que dependa de concurso público e só dure vinte anos. Vem o governo e, de uma assentada, autoriza-me a triplicar o espaço, prorroga-me o prazo de concessão de modo a que o meu negócio acabe garantido por um total de 57 anos e sem aumento de renda, disponibiliza-se para me fazer e pagar as obras de acessibilidade necessárias ao sucesso do restaurante... e tudo sem concurso público, negociado entre mim e eles, no resguardo dos gabinetes. É ou não é fantástico? E é assim que se trata Lisboa. É ou não é escandaloso? E o que fazemos, ficamos quietos? Pedaço a pedaço, eles dão tudo o que é nosso, à beira-rio: um quilómetro e meio de frente à Mota-Engil, seiscentos metros ao Porto de Lisboa, um quarteirão no Cais do Sodré para qualquer coisa da observação da droga, outro quarteirão para o Hotel Altis, o CCB para a Fundação Berardo, um quarteirão mais para a Fundação Champalimaud e a Casa dos Bicos para a Fundação Saramago.

Miguel Sousa Tavares, 18-10-2008, Expresso

Pedido de apreciação parlamentar

Apreciação Parlamentar n.º94 /X/4
Decreto-Lei n.º 188/2008, de 23 de Setembro
“Concessão do terminal portuário de Alcântara.”
Publicado no Diário da República n.º 184, I Série


O Dec.-Lei n.º 287/84, de 23 Agosto veio autorizar a Administração do Porto de Lisboa “a contratar com empresa após concurso público, a concessão do direito de exploração em regime de serviço público de um terminal de contentores nas instalações portuárias de Alcântara Sul”, sendo a “concessão outorgada após homologação em Conselho de Ministros.”

Previa ainda aquele Dec.-Lei que o prazo de concessão será de 20 anos, podendo a Administração mediante novo contrato, estabelecer um novo regime de exploração, por um ou mais períodos de 5 anos.

O Dec.-Lei n.º 298/93, de 28 de Agosto de 1993 estabelece o regime jurídico das operações portuárias, prevendo a concessão de serviço público, que a realizar-se deverá passar pela adjudicação mediante concurso público, nas condições do programa e caderno de encargos elaborado pelas autoridades portuárias e pelos ministros da tutela sectorial de acordo com as bases gerais das concessões estabelecidas por decreto-lei.

O Dec.-Lei n.º 324/94, de 30 de Dezembro vem” estabelecer as bases gerais das concessões do serviço público de movimentação de cargas nos cais e terminais portuários, tal como definia o Dec.-Lei n.º 298/93, de 28 de Agosto, determinando na sua Base XIII que “o contrato é outorgado por prazo determinado, não superior a 30 anos”.

O Dec.-Lei n.º 188/2008, de 23 de Setembro alterando as bases do contrato de concessão do direito de exploração, em regime de serviço público, do terminal portuário de Alcântara, concretamente a base XII, determina que a concessão vigorará até 31 de Dezembro de 2042.

Refere o Tribunal de Contas no seu Relatório de 27 de Setembro de 2007, com o n.º 23/2007-2ª Secção, Auditorias às Administrações Portuárias na sua página 8 que “a APL-Administração do Porto de Lisboa, líder no movimento de carga geral contentorizada, apresenta desafogadas capacidades instaladas e disponíveis, para fazer face a eventuais crescimentos do movimento de contentores.”

Alerta ainda o Tribunal de Contas na página 10 e 32 do mesmo relatório para o “limite de 30 anos imposto por lei” e a necessidade de o cumprir, salientando que o não cumprimento da lei é opositora “aos benefícios da livre concorrência por encerrarem o mercado por períodos de tempo excessivamente longos”.

Acresce que, como resulta da consulta de quadro da pag. 16 que a capacidade nacional de movimentação de carga contentorizada instalada é de 10.395 mil Toneladas, pelo que sabendo-se que a movimentação em 2006 foi de 5.198 mil Toneladas se conclui que a capacidade disponível nacional excedentária é superior a 50%.

Acrescente-se que a APSS-Administração Portuária de Setúbal e Sesimbra, vizinha de Lisboa tem utilizada apenas 5% da sua capacidade relativa a carga contentorizada.

Sabemos ainda pelo Relatório e Contas de 2007 do Porto de Setúbal que a “a nível dos terminais concessionados, se procedeu à montagem do segundo pórtico de contentores no TMS-2, pela SADOPORT, e o início de uma nova linha regular de contentores: a Holland Maas. Por sua vez, o TMS-1 recebeu, em 2007, a classificação de melhor performance pela UECC, tendo sido considerado um dos terminais mais seguros pela US Coast Guard. E ainda que este incremento foi obtido com um menor número de escalas comerciais: 1.446 navios entraram no porto, sendo 821 de carga geral, 387 especializados, 147 de granéis líquidos, 78 de granéis sólidos e 13 porta-contentores, o que se traduz num aumento da competitividade do porto.

Saliente-se os elevados investimentos realizados em Sines supostamente relacionados com a intenção de captar carga contentorizada para aquele porto.

O Tribunal de Contas dá-nos conhecimento de que foram enviados exemplares deste relatório ao Primeiro-Ministro, ao Ministro das Finanças, ao Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e ainda à própria Administração do Porto de Lisboa, que como se vê foram pura e simplesmente ignorados.

Entretanto o Governo ‘garante a legalidade da concessão até 2042 do terminal de contentores de Alcântara à Liscont’, com a justificação de ‘não estar em causa a celebração de novo contrato’ para concretizar uma prorrogação por 27 anos. A duração da concessão será assim de 57 anos sem existência de um concurso público.

O projecto Nova Alcântara anunciado em Abril último pelo Governo prevê entre outras obras o enterramento da Linha de Cintura e a construção de uma única estação – Alcântara Rio – com acesso subterrâneo, a ligação daquela linha à linha de Cascais através de um túnel, a interligação ao Metro de Lisboa e obras para tornar o TCA um deep-sea, e ainda criação de zona de acostagem e operação de barcaças, garantindo o Governo na sua apresentação que tudo estará concluído até 2013.

Estranha-se esta urgência no prolongamento de uma concessão à revelia das mais elementares regras e conclusões do Tribunal de Contas, o prejuízo para a zona em que vai ser criada uma muralha intransponível, para mais quando o próprio presidente da APL-Administração do Porto de Lisboa num seminário em Bruxelas noticiado pela Lusa dia 9 de Outubro veio dizer que” o maior problema do Porto de Lisboa não é de capacidade, e sim de acessibilidades, informando que o Acordo da nova concessão com a Liscont vai ser assinado este mês, na mesma ocasião.

Nestes termos, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição da República Portuguesa e ainda dos artigos 4.º, n.º1 alínea h) e 189.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, vêm requerer a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 188/2008, de 23 de Setembro, que «visa introduzir alterações nas bases do contrato de concessão do direito de exploração, em regime de serviço público, do terminal portuário de Alcântara.»

Assembleia da República, 10 de Outubro de 2008

Os Deputados do GP-PSD

27 outubro 2008

Lisboa é das pessoas. Mais contentores não!


Online petition - LISBOA É DAS PESSOAS. MAIS CONTENTORES NÃO!

É só assinar...

Estão a roubar-nos o Tejo!

Lisboa prepara-se para observar a sua frente ribeirinha sofrer a mais grave agressão de sempre.
Opera-se uma revolução na zona ribeirinha do Tejo. Nos últimos meses, a um rítmo invulgar, anuncia-se a criação de uma sociedade para gerir a frente ribeirinha, a suspensão do plano director municipal de Lisboa para construir a sede da fundação Champalimaud em Pedrouços, a construção de um gigantesco terminal de cruzeiros em Santa Apolónia, a elaboração de um plano de urbanização para Alcântara ou o aumento do terminal de contentores para o triplo da actual capacidade, entregue por mais 27 anos sem concurso.

Seria expectável o envolvimento e o papel determinante da câmara de Lisboa na concretização destas pretensões. Seria desejável a discussão pública sobre todas as intervenções planeadas para a zona ribeirinha de Lisboa.

No entanto tudo está a ser concretizado com o irresponsável alheamento da câmara municipal de Lisboa e nas costas dos lisboetas. Sem a adequada divulgação, sem debate, sem discussão, sem respeito pela cidade e pelos cidadãos.

Não vamos deixar que nos roubem o Tejo!